Há uma nova categoria a partir de hoje neste site. Espaço para comentários sobre literatura, teatro, música, dança e arte. Resolvi chamar de Percepção – e não de Crítica – porque estas expressões não serão feitas por estudiosos ou especialistas nos temas, mas por pessoas apaixonadas e que se encantam com o ouvem, assistem ou veem.
O texto de estreia é de Ângela Marques e a Percepção dela é sobre o filme Nico, 1988.
Berlim queima, bombardeada. O som propagado pelo vento é ouvido, com fascinação, pela menina Chrysta, que passaria a vida à procura da reprodução desta sonoridade.
Nico, 1988 é filme que se aproxima dos elementos de um documentário, pela preciosa pesquisa de sua roteirista e diretora, Susanna Nicchiarelli, além da absoluta entrega ofertada pela atriz e também cantora, a dinamarquesa Trine Dyrholm.
Raros são os filmes que dão tratamento à figura feminina da geração nascida durante ou ao término da 2ª Guerra Mundial, cujos traumas e repressões desembocariam na contracultura, com ápice em 1968.
Nico, nome artístico pelo qual seria conhecida a alemã, integrava a icônica banda Velvet Underground. Na fervilhante Nova Iorque, Nico era cantora, modelo, foi tomada como musa por Andy Warhol e era mãe de Christian, por ela chamado Ari. Mas não era protagonista.
O filme propositalmente se desprende do fetiche desses elementos, para saltar aos dois últimos anos da vida de Nico: 1987 e 1988. O enredo constrói solidamente a origem criativa e artística da música autoral de Chrysta, que negava o nome “comercial” além da própria beleza.
Sem músicas palatáveis ou de amplo público, conforme se desenrola a narrativa surge a compreensão de que Nico é cética, sofre com seus fantasmas, mas é profundamente capaz de amar. […] estive no topo, estive no fundo. Ambos são vazios.
A trilha emoldura cenas que evocam estruturas de tragédias gregas, como a disfuncional e amorosa relação entre mãe e filho. Mas é quando Nico, na interpretação visceral de Trine Dyrholm, inesperadamente pousa sua voz inquietante e tratada à heroína em clássico do jazz – trazendo à mente associar Maysa e Bjork – ou é recebida, em transe por jovens sedentos por rebeldia, em show clandestino em Praga, ainda Tchecoslováquia, que o completo amor por Nico / Chrysta se instala na audiência.
Uma mulher forte e fragilizada por suas circunstâncias, como tantas. Protagonista de sua existência, sem concessões, como poucas.
Ao final, é imprescindível aguardar pela (re)criação de uma canção pop banal dos anos 80. Não adianta…onde se aplicar a arte, nada permanecerá raso.
Nico, 1988
Espaço Itaú de Cinema – Curitiba
Shopping Crystal
Legendado, 2D
13h30 / 17h30 / 21h30